BREVE COMENTÁRIO À LEI 11.232/2005

DIREITO PROCESSO CIVIL
Valderez Bosso
Não há sociedade sem direito: ubi societas ibi jus. A correlação entre a sociedade e o direito está na função que o direito exerce na sociedade, função esta, ordenadora, ou seja, coordenadora dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor conflitos que se verificarem entre os seus membros. Daí que, qualquer cidadão que busca no judiciário a solução do seu conflito, quer a garantia deste, Estado, de que terá a pacificação social, através do cumprimento efetivo da sentença (1).

A busca de um processo que seja a um mesmo tempo célere, eficaz e justo, permitindo a ampla defesa e o contraditório, é tarefa árdua e conflitante, razão de muitas propostas enfrentrarem objeções consistentes e de muitas mudanças perpetradas mostrarem-se, na prática, inviáveis e inexeqüíveis.

Neste sentido, a Lei nº 11.232/05, que entrou em vigor em 23 de junho de 2006, pretende dar nova feição ao processo de execução. Diversos artigos foram criados, utilizando-se da técnica de dar-lhes letras e evitar a modificação dos demais, o que facilita a vida prática do operador do direito, já acostumado com determinados números de artigos. Além de modificar a redação de alguns outros artigos – mantendo a numeração original –, revogaram-se expressamente o inciso III do art. 520 e os arts. 570, 584, 588, 589, 590, 602 e todo o Capítulo VI do Título I do Livro II, que começa no art. 603 e vai até o art. 611, assim como os arts. 610, 639, 640 e 641.

Na realidade, alguns dos artigos revogados foram somente "transferidos" para o novo e longo art. 475, que abarcou o capítulo da liquidação e cumprimento da sentença, como forma de unificar o assunto.

Barbosa Moreira (2) dispõe sobre o assunto, dizendo que não é a sentença, por si só, que modifica o mundo fático em benefício do autor vitorioso: aqui, como em tantos outros exemplos apontados de sentenças executivas, é sempre necessária uma atividade jurisdicional complementar, e a circunstância de realizar-se essa atividade no mesmo processo ou em processo distinto não tem o magno relevo que se lhe pretende atribuir.

José Ignácio Botelho de Mesquita (3) assevera no sentido de que há outros meios e modos de pôr o processo a salvo, apagando do ordenamento processual reformas irresponsáveis e convencer os senhores do processo de tentar entender o sistema do Código de 1973 até o ponto que possam extrai o que realmente contribua para o aperfeiçoamento das instituições.

Bottini e Renault (4) dizem que a morosidade do sistema judicial é evidente, e, junto com a dificuldade de acesso, é o principal elemento a macular sua credibilidade e legitimidade. Podendo-se afirmar que os fatores que ocasionam boa parte da lentidão da justiça são a excessiva litigiosidade, a pouca racionalidade de algumas normas processuais e o atraso na gestão administrativa dos tribunais.
Athos Gusmão Carneiro (5) diz que os princípios jurídicos antes dominantes podem e devem, ser excluídos ou mitigados, tendo em vista outros princípios que ressurgem ou se ampliam diante de situações novas, de novas contingências sociais e jurídicas.

De modo geral, destacamos o fim da dicotomia "processo de conhecimento" – "processo de execução", para que a sentença seja executada sem que novo procedimento seja instaurado, mantendo-se a unidade do processo, passando a execução de sentença a ser mais célere, menos onerosa e mais eficiente. Interessante, ainda, a expressa previsão de que da decisão de liquidação de sentença caberá agravo e não mais apelação.

Outra modificação importante é a que possibilita a execução indireta da sentença que condena ao pagamento de quantia certa. A lei prevê medida executiva coercitiva ope legis, já que o descumprimento da obrigação fixada na sentença condenatória causará a incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação.

Chama-se agora cumprimento de sentença o que antes se chamava execução de sentença. Segundo o ilustre professor Luiz R Wambier (6), “a utilização dessa locução da-se em razão do fato de o art. 475 – I fazer alusão tanto ao cumprimento em sentido estrito, das sentenças dadas com fundamento nos art. 46l e 461-A, quanto ao cumprimento (execução) da sentença a que se refere o art. 475-J do CPC”.

Assim, a sentença proferida na forma do art. 475 do CPC, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no que diz respeito à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo mediatamente executiva, quando a realização da execução por expropriação.

Como sempre, deve-se aplaudir o legislador pelas novas mudanças apresentadas. Também como de costume, alguns se apressam em criticar as mudanças, pintando um quadro apocalíptico como se fosse o fim do processo civil. Outros, em contrapartida, querem enxergar a nova lei como solução definitiva a todos os males que afligem o Poder Judiciário. Nem lá, nem cá, preferimos posicionar-nos de forma cautelosamente intermediária, encarando a nova tentativa como mais um passo no aprimoramento do processo civil pátrio, em busca da efetividade, mas que também não fiquemos inertes, apenas criticando, sem ter a coragem de mexer e mudar o processo civil. Vale dizer que enquanto não houver vontade política e investimento pesado no Poder Judiciário, de forma a diminuir a relação número de processos por juiz, incentivando-se e treinando-se funcionários e equipando os fóruns com adequada infra-estrutura, continuaremos com o grave problema da duração do processo.

BIBLIOGRAFIA/NOTAS:

ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16ª ed. 2000. Malheiros Editores. São Paulo, p. 19,24. (Nota. 1)
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença Executiva? in Revista de Direito Civil e Processual Civil 27, Porto Alegre, Síntese, jan.-fev./2004. (Nota. 2)
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; RENAULT, Sergio. Os caminhos da reforma.Texto publicado na Revista do Advogado. AASP. Nº 85 de Maio/2006., p.8. (Nota. 4)
CARNEIRO, Athos Gusmão. Do cumprimento da Sentença, conforme a Lei 11.232/05. Parcial retorno ao medievaismo? Porque não? Texto publicado na Revista do Advogado. AASP. Nº 85 de Maio/2006., p.35. (Nota. 5)
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Metamorfose dos Embargos. Texto publicado na Revista do Advogado. AASP. Nº 85 de Maio/2006., p.61.(Nota . 3)
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Considerações Preliminares a Respeito do Cumprimento da Sentença, nos Termos da Lei N. 11.232/05. Texto publicado no site da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2006. www.adpc.org.br/artigos. (Nota. 6)

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